terça-feira, 15 de novembro de 2011

Hepatite B

O vírus que causa a hepatite B (VHB) é um vírus DNA, transmitido por sangue (transfusões, agulhas contaminadas, relação sexual, após o parto, instrumentos cirúrgicos ou odontológicos, etc.). Não se adquire hepatite B através de talheres, pratos, beijo, abraço ou qualquer outro tipo de atividade social aonde não ocorra contato com sangue. Após a infecção, o vírus concentra-se quase que totalmente nas células do fígado, aonde seu DNA fará o hepatócito construir novos vírus.
O vírus da hepatite B é resistente, chegando a sobreviver 7 dias no ambiente externo em condições normais e com risco de, se entrar em contato com sangue através de picada de agulha, corte ou machucados (incluindo procedimentos de manicure com instrumentos contaminados), levar a infecção em 5 a 40% das pessoas não vacinadas.

Apesar de sermos capazes de produzir anticorpos contra o vírus, eles só funcionam quando o vírus está na corrente sangüínea. Depois que o vírus entra nos hepatócitos, os anticorpos não conseguem destruí-lo diretamente. Como partes do vírus são expressos (partes dele aparecem) na membrana que recobre o hepatócito (principalmente o HBcAg), o organismo reconhece estas partes e desencadeia uma inflamação, onde células (principalmente linfócitos T citotóxicos) destroem os hepatócitos infectados. Está iniciada a hepatite.

O resultado desta hepatite depende do equilíbrio entre o comportamento do vírus e as defesa do hospedeiro (a "vítima"). Se a quantidade de células infectadas é pequena e a defesa é adequada, a hepatite B pode ser curada sozinha sem sintomas (70% dos casos). Se a quantidade de células infectadas é grande, a reação pode levar aos sintomas (30%). 
   O vírus da hepatite B pode permanecer no organismo, podendo infectar outras pessoas, por semanas antes dos sintomas, variando de 6 semanas a 6 meses. Os sintomas iniciais são mal estar, dores articulares e fadiga, mas depois podem evoluir para dor local, icterícia (amarelão), náuseas e falta de apetite. Os sintomas desaparecem em 1 a 3 meses, mas algumas pessoas podem permanecer com fadiga mesmo depois da normalização dos exames.
   Em alguns poucos casos (0,1-0,5%), a resposta do organismo é tão exagerada que há destruição maciça dos hepatócitos (hepatite fulminante), podendo ser fatal. Cerca de 50% dos casos de hepatite fulminante estão relacionados à infecção com hepatite B. O sintoma que mais sugere a hepatite fulminante é o desenvolvimento de alterações neurológicas (sonolência, confusão mental), além de sangramentos e dificuldade respiratória.
Em cerca de 3-8% dos adultos, a defesa imunológica não consegue destruir as células infectadas e a inflamação (hepatite) persiste. Quando a infecção persiste por mais de 6 meses, definindo hepatite crônica, a chance de cura espontânea é muito baixa. Os sintomas mais comuns são falta de apetite, perda de peso e fadiga, apesar da maioria das pessoas ser assintomática. Outras manifestações extra-hepáticas, mais raras, incluem artralgias, artrite, poliarterite nodosa, glomerulonefrite, derrame pleural, púrpura de Henoch-Schölein, edema angioneurótico, pericardite, anemia aplástica, pancreatite, miocardite, pneumonia atípica, mielite transversa e neuropatia periférica.
No caso de crianças que entram em contato com o vírus no parto, o sistema imunológico é incapaz de desenvolver uma boa defesa. Isto faz com que um grande número de células se infectem e, com o tempo, o organismo desenvolve uma certa "tolerância", gerando uma hepatite crônica leve em cerca de 90% dos casos. O risco de hepatite crônica já diminui para 20-50% quando há infecção em crianças entre 1-5 anos. Em adultos com déficit de imunidade, o risco é de cerca de 50%.
   Espera-se que, neste tipo de infecção, 90% dos portadores assintomáticos ainda apresentem sinais de replicação do vírus (HBeAg positivo) aos 15 anos de idade, uma fase chamada de "tolerância imunológica", mas que essa taxa reduza gradativamente até apenas 10% aos 40 anos. Durante essa segunda fase, chamada de "depuração imunológica", o sistema imunológico tenta eliminar o vírus, levando a episódios de "flares" (ativações) da hepatite intercalados com períodos de ausência de atividade da doença. Durante essa fase, há a formação, portanto, de cicatrizes (fibrose) e pode se desenvolver hepatopatia crônica ou cirrose. Nos 90% que aos 40 anos não desenvolveram cirrose e permanecem na terceira fase (de "baixa replicação"), o prognóstico é bom. Os 10% que permanecem com atividade da doença tem pior prognóstico, com maior risco de desenvolvimento de cirrose e hepatocarcinoma.

O diagnóstico da hepatite B, bem como das suas fases evolutivas, é baseado classicamente na coleta de sorologias, conforme tabela abaixo. No entanto, deve ser associado a marcadores de lesão de células (AST e ALT) e, mais recentemente, pode ser utilizado o método de PCR (polimerase chain reaction) para detectar a quantidade do vírus circulante no sangue.

Na caso de hepatite fulminante, tratamento intensivo em unidade especializada reduz a mortalidade, que sem isso chega a 80%. Entre os procedimentos indicados estariam redução da ingesta protéica, lactulose ou neomicina orais, controle hidroeletrolítico e cardiorrespiratório, controle de sangramentos e, se indicado, transplante hepático.
 O tratamento da hepatite B crônica visa suprimir a replicação viral e reduzir a lesão hepática, prevenindo a evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular.  Espera-se que, com efeitos sustentados, a progressão para cirrose e hepatocarcinoma seja atrasado ou pare. Atualmente, há três tratamentos com eficácia comprovada para a hepatite B crônica em uso no Brasil: interferon-alfa-b1, lamivudina e adefovir dipivoxil. Interferon peguilado, entecavir, telbivudina e outros ainda estão em estudo.
O transplante de fígado é o tratamento de escolha para a hepatite B aguda fulminante, crônica em fase de cirrose avançada ou na presença de hepatocarcinoma.  Há duas décadas, o transplante hepático no portador de hepatite B tinha resultados muito ruins, em parte por resultados limitados do procedimento em si e em parte pelo alto índice de recidiva (retorno) da hepatite B no fígado transplantado, com evolução mais rápida da doença e risco de hepatite fulminante.
   Mas melhoras na técnica operatória, em conjunto com novos medicamentos que reduzem a recidiva da hepatite e/ou melhoram a sua evolução têm demonstrado uma dramática melhora da expectativa após o transplante. Recomenda-se, logo após o transplante, a utilização de imunoglobulina contra a hepatite B e análogo nucleosídeo, preferencialmente a lamivudina (ou o adefovir dipivoxil se houver sinais no pré-transplante de resistência à lamivudina).
 
 Com a exceção do uso do álcool, que leva a piora da evolução da doença, não há nenhuma restrição nutricional específica para portadores de hepatite B. Situações especiais, como cirrose com ascite ou encefalopatia hepática, ou a presença de outra doença associada, no entanto, podem indicar restrições dietéticas adicionais, conforme orientação do médico e do nutricionista.
   A obesidade, a dislipidemia (aumento do colesterol e triglicérides) e a resistência à insulina são fatores relacionados entre si que desencadeiam o aparecimento da doença hepática gordurosa não alcoólica (também chamada de esteatose hepática ou "gordura do fígado"), em especial a sua forma mais severa, a esteato-hepatite não alcoólica que, se associada à hepatite B, possivelmente levaria a uma potencialização na inflamação e progressão mais rápida de ambas para a cirrose.
   Assim, mesmo sem restrições nutricionais específicas pela hepatite B, recomenda-se uma dieta saudável, que ajuda a manter o peso, o ânimo, melhora o sistema imunológico e ajuda a prevenir o aparecimento de outras doenças.

 A vacina para a hepatite B é altamente efetiva e praticamente isenta de complicações (pode causar apenas reações no local da injeção). Como a hepatite B é uma das principais causas de câncer de fígado no mundo, a vacinação não previne apenas a hepatite como também o câncer. Mais de 80 países já adotaram a vacinação de toda a população como estratégia de combate à doença. A vacina consiste de fragmentos do antígeno da hepatite B HBsAg, suficiente para produzir anticorpos mas incapaz de transmitir doença.
   A dose da vacina é de três injeções intramusculares, sendo a segunda após 1-2 meses e a terceira 5 meses após a primeira. Neste esquema, 95% produzirão os anticorpos e, nestes, a proteção contra a hepatite é próxima de 100%. A imunidade costuma durar pelo menos 10 anos, mas pode persistir por toda a vida, podendo ser avaliada por exame de sangue.
A vacina é indicada em todas as crianças e adolescentes até 18 anos. Entre adultos, deve ser utilizada em pessoas de alto risco (trabalhadores da área da saúde, homossexuais, usuários de drogas endovenosas e outros). A vacina está disponível gratuitamente na rede pública de saúde. Gravidez, amamentação e uso de antibióticos não contra-indicam a vacinação.

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