terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Resistência Bacteriana


O primeiro antibiótico, a penicilina, foi descoberto por Alexander Fleming, em 1929, em um hospital londrino. Ele observou a inibição do crescimento em placa de uma cultura de estafilococos contaminada por um fungo, mais tarde identificado como Penicillium notatum. Anos mais tarde, com o advento da Segunda Guerra Mundial, foi imperativo que se estudasse e que se pesquisasse mais a quimioterapia moderna, pois com a guerra eram inevitáveis os ferimentos e, com eles, as infecções. A penicilina foi então extensamente utilizada contra estafilococos e estreptococos, grandes causadores de pneumonias, infecções aéreas superiores, septicemias etc. A nova droga tinha grande capacidade em dizimar essas infecções e, ainda, atuava de acordo com os princípios da quimioterapia moderna, ou seja, com toxicidade seletiva.
A resistência à nova droga foi descrita quase que imediatamente, bactérias produtoras de penicilinase, hoje chamadas b-lactamases, sobreviviam à terapêutica clínica e só altas doses efetivamente atingiam sucesso, concentrações inatingíveis sem efeitos de toxicidade. O desenvolvimento de resistência à penicilina pelo Staphylococcus aureus, através da produção de b-lactamase, diminuiu significativamente o uso dessa droga em infecções estafilocócicas, principalmente em pacientes hospitalizados nos quais as cepas resistentes são encontradas antes de sua disseminação à comunidade.
Com a evolução da antibioticoterapia as cepas de S. aureus foram tornando-se cada vez mais resistentes devido à produção de b-lactamases. Em 1946, apenas 5% das cepas de S.aureus eram produtoras de b-lactamase, atualmente, relatos de 1990 mostram que 90% das cepas produzem a enzima.
Inicialmente o fenômeno da resistência bacteriana não parecia ser um problema tão grande. Foi temporariamente resolvido com a introdução de novos agentes antibacterianos, tais como os aminoglicosídeos, macrolídeos, glicopeptídeos e ainda alterações estruturais nos compostos já existentes que refletiam em alteração de sua atividade e espectro antimicrobiano. Hoje se conhecem microrganismos multirresistentes, não sensíveis a quaisquer dos antibióticos disponíveis clinicamente, levando rapidamente à morte pacientes hospitalizados. Esses casos são cada vez mais frequentes, inclusive no Brasil.
As bactérias têm sido classificadas como resistentes ou sensíveis de acordo com dados de CMI (Concentração Mínima Inibitória) CMB (Concentração Mínima Bactericida). São ditas resistentes quando são inibidas in vitro só em concentrações superiores àquelas atingidas in vivo. Essa relação concentração da droga-inibição de crescimento não deve ser encarada como completamente verdadeira, pois o sucesso terapêutico não depende exclusivamente dessa relação, mas, sim, passa por fatores que incluem a capacidade da droga em atingir o foco infeccioso, caso da eritromicina, extremamente ativa contra o meningococo, mas que não penetra no sistema nervoso central, ou seja, fatores farmacocinéticos. Ainda o comprometimento imunológico do paciente, alvo da terapia, o quanto essa imunidade pode contribuir para auxiliar a terapêutica quimioterápica. Dessa forma, um dado microrganismo é sensível ou resistente apenas quando se observa o sucesso ou insucesso terapêutico, respectivamente. Visto isso, deve-se encarar a terapêutica de uma maneira mais abrangente, menos simplista, considerando-se: droga, microrganismo, farmacocinética e imunidade do paciente.
A resistência de dado microrganismo à determinada droga pode ser classificada inicialmente como intrínseca ou adquirida. A resistência intrínseca é aquela que faz parte das características naturais, fenotípicas do microrganismo, transmitida apenas verticalmente à prole. Faz parte da herança genética do microrganismo.
O maior determinante de resistência intrínseca é a presença ou ausência do alvo para a ação da droga. Assim, antibióticos poliênicos, como a anfotericina B, atuam contra fungos devido à sua capacidade de ligação a esteróis componentes de sua membrana. Alteram sua permeabilidade, levando-o à morte. Como bactérias não possuem esteróis em sua membrana, sendo essa uma característica natural, são portanto insensíveis a essas drogas. Outro clássico exemplo é a relação entre inibidores da síntese da parede celular, tal como as penicilinas e micoplasmas. Esses microrganismos não apresentam essa estrutura celular, logo penicilinas não encontram alvo para sua ação nesses microrganismos. Essa característica fenotípica é transmitida verticalmente de geração à geração sem perda da característica. A resistência intrínseca ou natural não apresenta qualquer risco à terapêutica, pois é previsível, bastando-se conhecer o agente etiológico da infecção e os mecanismos de ação dos fármacos disponíveis clinicamente.
A resistência ainda pode ser não natural ou adquirida. Ocorre quando há o aparecimento de resistência em uma espécie bacteriana anteriormente sensível à droga em questão. É uma "nova" característica manifestada na espécie bacteriana, característica essa ausente nas células genitoras. Essa nova propriedade é resultado de alterações estruturais e/ou bioquímicas da célula bacteriana, determinada por alterações genéticas cromossômicas ou extra-cromossômicas (plasmídios). Uma simples alteração genética pode levar ao aparecimento de um exemplar muito resistente, que normalmente não perde viabilidade e patogenicidade.
A aquisição de resistência tem diminuído muito a atividade de importantes antibióticos, servindo como objetivo maior de pesquisadores para a busca de novas drogas, associações ou esquemas terapêuticos.
O primeiro relato de resistência adquirida foi dado por Paul Ehrlich entre 1902 e 1909, mostrou que algumas espécies de tripanossomas não respondiam mais ao tratamento com azo-corantes. Em 1938, quase todas as cepas de Neisseria gonorrhoeae eram sensíveis às sulfonamidas, dez anos mais tarde, apenas 20% dessas cepas ainda apresentavam suscetibilidade. Essa diminuição na atividade se estendeu também a estreptococos hemolíticos, pneumococos, coliformes e outras espécies.
Faz-se imperativo salientar que antibióticos não são agentes mutagênicos, portanto não causam mutação em microrganismos, não fazendo aparecer qualquer nova característica na bactéria. É preciso que se entenda que antibióticos exercem a chamada "pressão seletiva", ou seja, em contato com microrganismos exercerão sua atividade, levando à morte as cepas sensíveis sobrevivendo então as resistentes. Com o uso frequente, essa seleção leva ao predomínio das cepas que de alguma forma sobreviveram, multiplicaram-se e agora são maioria. Portanto, fica claro porque em ambientes hospitalares ou comunidades sem qualquer controle no uso dessas drogas o aparecimento de cepas multirresistentes é mais frequente e também mais complicado.
O uso indiscriminado, irresponsável e ignorante de antibióticos, terapeutica ou profilaticamente, humano ou veterinário, passando ainda pelo uso no crescimento animal e propósitos agrícolas, tem favorecido a essa pressão seletiva, mostrando como resultado a seleção e predominância de espécies cada vez mais resistentes.
Em um artigo publicado na Inglaterra, em 1998, o autor mostra dados relativos ao uso de antibióticos no mundo. Mostra que de todas as drogas utilizadas, 50% se destinam a uso humano e 50% ao agroveterinário. Da fração de drogas usada em humanos, 20% são em hospitais e 80% comunitátria. Desse montante, calcula-se que de 20% a 50% não haja necessidade de uso. Para o uso veterinário, os dados são mais alarmantes, 20% são usados terapeuticamente e até 80% para uso profilático e promoção de crescimento. Estima-se que até 80% do uso agroveterinário é altamente questionável.
Alguns autores ainda condenam o uso indiscriminado e sem controle de antibióticos contra acne, o uso exagerado em hospitais, o uso em pacientes com presença de H. pylori sem lesão ulcerosa e, ainda, defendem um maior controle do uso em odontologia, pois genes de resistência do Streptococcus pneumoniae parecem ter se originado de estreptococos da cavidade oral. Esses mesmos autores ainda implicam o ensino médico como responsável por grande parte do uso indiscriminado de drogas, ressaltando a importância da conscientização do estudante para esse grave problema.
O uso indiscriminado não se relaciona diretamente com a pobreza ou falta de recursos de um país. Na França, nos anos de 1991/92, foi realizado um levantamento sobre o uso de antibióticos em crianças, chegando-se a valores absurdos para o uso de antibióticos em infecções de etiologia viral. Em torno de 25% das crianças da comunidade em estudo tomaram antibióticos contra infecções virais.
Em um estudo publicado no ano de 1987 os autores mostraram a quantidade de antibióticos consumida terapêutica, profilaticamente e na conservação de alimentos no ano de 1980. Chegaram ao espantoso valor de 17 mil toneladas de penicilina, o que naquele ano seria igual ao consumo de 3,84 g da droga para cada habitante da terra.
Para uma melhor compreensão do fenômeno global de resistência bacteriana é preciso entender como microrganismos adquirem resistência, como passam a expressar essa nova característica, de onde vem essa informação.

Fonte: Resistência bacteriana; Fernando de Sá Del Fio. 




Um comentário:

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