O vírus que causa a hepatite B (VHB) é um vírus DNA, transmitido por sangue (transfusões, agulhas contaminadas, relação sexual, após o parto,
instrumentos cirúrgicos ou odontológicos, etc.). Não
se adquire hepatite B através de talheres, pratos, beijo, abraço ou qualquer
outro tipo de atividade social aonde não ocorra contato com sangue. Após a infecção, o vírus concentra-se quase que totalmente nas células do
fígado, aonde seu DNA fará o hepatócito construir novos vírus.
O vírus da hepatite B é resistente, chegando a sobreviver 7
dias no ambiente externo em condições normais e com risco de, se entrar
em contato com sangue através de picada de agulha, corte ou machucados
(incluindo procedimentos de manicure com instrumentos contaminados), levar a
infecção em 5 a 40% das pessoas não vacinadas.
Apesar de sermos capazes de produzir anticorpos contra o vírus, eles só
funcionam quando o vírus está na corrente sangüínea. Depois que o vírus
entra nos hepatócitos, os anticorpos não conseguem destruí-lo diretamente.
Como partes do vírus são expressos (partes dele aparecem) na membrana que
recobre o hepatócito (principalmente o HBcAg), o organismo reconhece estas
partes e desencadeia uma inflamação, onde células (principalmente
linfócitos T citotóxicos) destroem os hepatócitos infectados. Está iniciada
a hepatite.
O resultado desta hepatite depende do equilíbrio
entre o comportamento do vírus e as defesa do hospedeiro (a
"vítima"). Se a quantidade de células infectadas é pequena e a
defesa é adequada, a hepatite B pode ser curada sozinha sem sintomas (70% dos
casos). Se a quantidade de células infectadas é grande, a reação pode levar
aos sintomas (30%).
O vírus da hepatite B pode permanecer no organismo, podendo infectar outras
pessoas, por semanas antes dos sintomas, variando de 6 semanas a 6 meses.
Os
sintomas iniciais são mal estar, dores articulares e fadiga, mas depois podem
evoluir para dor local, icterícia (amarelão), náuseas e falta de apetite.
Os sintomas desaparecem em 1 a 3 meses, mas algumas pessoas podem permanecer com
fadiga mesmo depois da normalização dos exames.
Em alguns poucos casos (0,1-0,5%), a resposta do organismo é tão exagerada que
há destruição maciça dos hepatócitos (hepatite
fulminante), podendo ser fatal. Cerca de 50% dos casos de hepatite
fulminante estão relacionados à infecção com hepatite B. O
sintoma que mais sugere a hepatite fulminante é o desenvolvimento de
alterações neurológicas (sonolência, confusão mental), além de
sangramentos e dificuldade respiratória.
Em cerca de 3-8% dos adultos, a defesa imunológica não consegue destruir as
células infectadas e a inflamação (hepatite) persiste. Quando a infecção
persiste por mais de 6 meses, definindo hepatite crônica, a chance de cura
espontânea é muito baixa. Os sintomas mais comuns são
falta de apetite, perda de peso e fadiga, apesar da maioria das pessoas ser
assintomática. Outras manifestações extra-hepáticas, mais raras,
incluem artralgias, artrite, poliarterite nodosa, glomerulonefrite, derrame
pleural, púrpura de Henoch-Schölein, edema angioneurótico, pericardite,
anemia aplástica, pancreatite, miocardite, pneumonia atípica, mielite
transversa e neuropatia periférica.
No caso de crianças que entram em contato com o
vírus no parto, o sistema imunológico é incapaz de desenvolver uma boa
defesa. Isto faz com que um grande número de células se infectem e, com o
tempo, o organismo desenvolve uma certa "tolerância", gerando uma
hepatite crônica leve em cerca de 90% dos casos. O risco de hepatite crônica
já diminui para 20-50% quando há infecção em crianças entre 1-5 anos. Em adultos com déficit
de imunidade, o risco é de cerca de 50%.
Espera-se que, neste tipo de infecção, 90% dos portadores assintomáticos
ainda apresentem sinais de replicação do vírus (HBeAg positivo) aos 15 anos
de idade, uma fase chamada de "tolerância imunológica", mas que essa
taxa reduza gradativamente até apenas 10% aos 40 anos. Durante essa segunda
fase, chamada de "depuração imunológica", o sistema imunológico
tenta eliminar o vírus, levando a episódios de "flares"
(ativações) da hepatite intercalados com períodos de ausência de atividade
da doença. Durante essa fase, há a formação, portanto, de cicatrizes
(fibrose) e pode se desenvolver hepatopatia crônica ou cirrose. Nos 90% que aos
40 anos não desenvolveram cirrose e permanecem na terceira fase (de "baixa
replicação"), o prognóstico é bom. Os 10% que permanecem com atividade
da doença tem pior prognóstico, com maior risco de desenvolvimento de cirrose
e hepatocarcinoma.
O diagnóstico da hepatite B, bem como das suas fases evolutivas, é baseado
classicamente na coleta de sorologias, conforme tabela abaixo. No entanto, deve
ser associado a marcadores de lesão de células (AST e ALT) e, mais
recentemente, pode ser utilizado o método de PCR (polimerase chain reaction) para detectar a quantidade do vírus circulante no sangue.
Na caso de hepatite fulminante, tratamento intensivo em unidade especializada
reduz a mortalidade, que sem isso chega a 80%. Entre os procedimentos indicados
estariam redução da ingesta protéica, lactulose ou neomicina orais, controle
hidroeletrolítico e cardiorrespiratório, controle de sangramentos e, se
indicado, transplante hepático.
O tratamento da hepatite B crônica visa suprimir a replicação
viral e reduzir a lesão hepática, prevenindo a evolução para cirrose
e carcinoma hepatocelular. Espera-se que, com efeitos sustentados, a progressão para cirrose e
hepatocarcinoma seja atrasado ou pare. Atualmente, há três tratamentos com
eficácia comprovada para a hepatite B crônica em uso no Brasil: interferon-alfa-b1, lamivudina e adefovir dipivoxil. Interferon
peguilado, entecavir, telbivudina e outros ainda estão em estudo.
O transplante de fígado é o tratamento de escolha para a hepatite B
aguda fulminante, crônica em fase de cirrose
avançada ou na presença de hepatocarcinoma.
Há duas décadas, o transplante hepático no portador de hepatite B tinha
resultados muito ruins, em parte por resultados limitados do procedimento em si
e em parte pelo alto índice de recidiva (retorno) da hepatite B no fígado
transplantado, com evolução mais rápida da doença e risco de hepatite
fulminante.
Mas melhoras na técnica operatória, em conjunto com novos medicamentos que
reduzem a recidiva da hepatite e/ou melhoram a sua evolução têm demonstrado
uma dramática melhora da expectativa após o transplante. Recomenda-se, logo
após o transplante, a utilização de imunoglobulina contra a hepatite B
e análogo nucleosídeo, preferencialmente a lamivudina
(ou o adefovir dipivoxil se houver sinais no
pré-transplante de resistência à lamivudina).
Com
a exceção do uso do álcool, que leva a piora da evolução da doença, não há
nenhuma restrição nutricional específica para portadores de hepatite B. Situações
especiais, como cirrose com ascite
ou encefalopatia hepática, ou a presença
de outra doença associada, no entanto, podem indicar restrições dietéticas
adicionais, conforme orientação do médico e do nutricionista.
A obesidade, a dislipidemia (aumento do colesterol e triglicérides) e a resistência
à insulina são fatores relacionados entre si que desencadeiam o aparecimento
da doença hepática gordurosa não alcoólica (também
chamada de esteatose hepática ou "gordura do fígado"), em especial a
sua forma mais severa, a esteato-hepatite não alcoólica
que, se associada à hepatite B, possivelmente levaria a uma potencialização
na inflamação e progressão mais rápida de ambas para a cirrose.
Assim, mesmo sem restrições nutricionais específicas pela hepatite B,
recomenda-se uma dieta saudável, que ajuda a manter o peso, o ânimo, melhora o
sistema imunológico e ajuda a prevenir o aparecimento de outras doenças.
A vacina para a hepatite B é altamente efetiva e praticamente isenta de
complicações (pode causar apenas reações no local da injeção). Como a hepatite B é uma das principais causas de câncer de
fígado no mundo, a vacinação não previne apenas a hepatite como também o
câncer. Mais de 80 países já adotaram a vacinação de toda a população
como estratégia de combate à doença. A vacina consiste de fragmentos do
antígeno da hepatite B HBsAg, suficiente para produzir anticorpos mas incapaz
de transmitir doença.
A dose da vacina é de três injeções intramusculares, sendo a
segunda após 1-2 meses e a terceira 5 meses após a primeira. Neste esquema,
95% produzirão os anticorpos e, nestes, a proteção contra a hepatite é
próxima de 100%. A imunidade costuma durar pelo menos 10 anos, mas pode
persistir por toda a vida, podendo ser avaliada por exame de sangue.
A vacina é indicada em todas as crianças e adolescentes até 18 anos. Entre
adultos, deve ser utilizada em pessoas de alto risco (trabalhadores da área da
saúde, homossexuais, usuários de drogas endovenosas e outros). A vacina está
disponível gratuitamente na rede pública de saúde. Gravidez, amamentação e
uso de antibióticos não contra-indicam a vacinação.